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"...mas, de repente, ao longe, se avista uma luz, surge um porto caloroso e seguro que o acolhe, protege e lhe provém do que necessita para prosseguir a sua árdua, tribulada e imprescindível viagem"

Tadeu D. Leite

A Função Continente do Psicoterapeuta


Por TADEU D. LEITE

“Relâmpagos rasgam os céus, trovões rugem por todos os lados, vagalhões abraçam e agitam o temeroso e indefeso barco que navega perdido, desesperado, no meio de sua tormenta ... mas, de repente, ao longe, se avista uma luz, surge um porto caloroso e seguro que o acolhe, protege e lhe provém do que necessita para prosseguir a sua árdua, tribulada e imprescindível viagem. ” (T.D.L.)

O objetivo deste artigo é discorrer sobre o papel do psicoterapeuta, funcionando como figura continente dos conteúdos mentais do paciente. Função esta, fundamental para o desenvolvimento de qualquer psicoterapia.
Assim, se discutirá aspectos relacionados ao tema, calcando-se nas idéias de vários teóricos, procurando dar alguma luz ao assunto.
Começando com Freud, em sua “ Análise terminável e interminável” (1937), disserta sobre a tarefa do analista na análise do paciente, como sendo a de assegurar as condições ótimas para o funcionamento do seu ego, com a finalidade de ajudá-lo a perceber, pensar, falar e assim restabelecer a adequada comunicação entre o seu
mundo interno com o mundo externo.
O término de uma análise, sugere êxito em ter fortalecido esse ego, o suficiente para permitir que possa lidar com as adversidades da vida.

A segurança interna produzida pela internalização que ele faz de um objeto compreensivo e continente ( o analista), tornando-o parte de si próprio, promove a capacidade do paciente para viver por si, com condições de conter e lidar com os seus conflitos de maneira mais saudável.
M. Klein (1963) postula que já no princípio da vida a criança estabelece relações objetais, com o objeto sendo visto ainda como parcial. Essa relação com o primeiro objeto; o seio materno, implica a projeção – um mecanismo primitivo que o ego utiliza para aliviar a tensão interna, projetando-a no objeto externo – e a introjeção – mecanismo correlato à projeção, mas com ação inversa a essa, ou seja, a assimilação
pelo ego de atributos ou qualidade do objeto externo.
Assim as relações são moldadas desde o início pela interação da introjeção e projeção dos objetos e situações internas e externas do meio que essa criança está inserida.
No começo do ego, ele é desprovido de coesão interna, sendo dominado por mecanismos de cisão como impulsos cindidos entre bons e maus que projeta sobre o objeto; o seio materno, e consequentemente cindindo-o entre bom e mau seio.
Juntamente com essa necessidade de cindir e projetar, existe a tendência à integração, processo esse calcado na introjeção do objeto bom, primordialmente do seio bom, contribuindo para o crescimento e maturidade egoica. Se esse objeto bom é estabelecido com relativa segurança, ele se torna o cerne do ego em desenvolvimento

em torno do qual se estruturará toda a capacidade do indivíduo para amar, discernir, aceitar e compreender.
Toda essa estruturação mental que ocorre nesse período pré-verbal, nessa relação inicial do bebê com a sua mãe; um contato íntimo entre o inconsciente dela com a criança, de maneira satisfatória, se tornará a base para uma experiência mais completa do indivíduo se sentir compreendido nas relações posteriores de sua vida.
Isso faz que, durante toda a vida do indivíduo, por mais gratificante seja expressar verbalmente sentimentos para uma pessoa que tenha afinidades, permaneça nele um anseio insatisfeito para uma compreensão sem palavras; como na relação mais arcaica com a mãe.
Bion (1961), baseado nessas ideias Kleinianas, elaborou o conceito de “rêverie”; definindo-o como sendo um estado mental de calma e receptividade por parte da mãe na relação com o bebê, com a capacidade de acolher as suas experiências emocionais intoleráveis, recebendo e dando significado a esses conteúdos de terror por ele
projetado, desempenhando uma função continente desses, contribuindo para que, gradualmente, a criança desenvolva seu próprio continente interno.
O tenro bebê quando tem uma ansiedade intolerável, provocada, por exemplo, pela exigência orgânica da fome ou por uma determinada dor, cujas sensações ele é incapaz de compreender e fazer sentido – tomando-as como experiências terrificantes – lida com essas projetando-a na mãe. Se essa for capaz e suficientemente boa, no
momento, para discernir e compreender o problema; o que está acontecendo com a criança; poderá tomar providências para provê-la de maneira que alivie sua aflição.
No exemplo da fome, a mãe discerne essa aflição e lida comunicando a compreensão dela à criança, no ato de alimentá-la, assim devolve essa experiência aflitiva sob a forma de uma ação compreensiva, que o bebê reintrojeta; agora modificada pela função materna de discernir e lidar com as aflições de seu filho.
A experiência assim, traz as marcas da compreensão por parte da mãe, impressas na modificação da experiência terrificante, que agora se fez compreendida, se fez sentido, gerou-se um significado para a criança ao reintrojeta-la, permitindo adquirir a compreensão que a mãe possui. Assim, as ocasiões acumuladas, em que as experiências forem compreendidas, promovem uma aquisição dentro do próprio bebê desse objeto interno que possui
capacidade de conter e compreender suas próprias experiências, ou seja, mediante a introjeção de uma mãe receptiva e compreensiva, ele pode começar a desenvolver sua própria capacidade de reflexão sobre seus próprios estados mentais. É o começo da estabilidade mental.

Mas quando a mãe é incapaz de uma réverie satisfatória, a criança fica alijada de receber essas experiências que o aflige de forma significada, resultando num terrível sentimento do desconhecido; um sentimento intolerável, aflitivo, que retorna com mais força que antes e consequentemente abalando a estabilidade da estrutura mental que se encontra em incipiente desenvolvimento.
Winnicott (1960), também postula sobre uma condição psicológica por parte da mãe, que se inicia na gestação se desenvolvendo gradualmente até semanas após o nascimento da criança, que ele denomina como “preocupação materna primária".

A mãe que atingiu esse estado hipersensível fornece condições para que a constituição da criança se manifeste, sua tendência à evolução se desenvolva e que possa viver suas sensações particulares dessa fase de maneira satisfatória.
O princípio do prazer e a onipotência são aspectos mentais da criança predominantes nesse período e há uma completa dependência da mãe; ela e os cuidados maternos formam uma unidade. Essa fase não implica somente cuidados maternos físicos, mas todo um estado mental de estar à disposição do bebê, por parte da mãe, que Winnicott denomina “holding”: ela precisa aconchegar a criança no colo, tocá-la, comunicar-lhe verbalmente e gestualmente a felicidade dela existir; alimentar o seu narcisismo e sua onipotência, para que esta se sentindo protegida, tenha o prazer com o outro, podendo perceber e compartilhar com esse outro.
A criança introjeta os pormenores desses cuidados, a sua confiança no ambiente se desenvolve e soma-se a isso, a compreensão intelectual e suas inumeráveis implicações no seu desenvolvimento mental.
Consequentemente, aquela criança cuja mãe não dispôs de um “holding” adequado para com ela, pode desenvolver prejuízos na maturação de seu mundo mental e, posteriormente, dificuldades emocionais quando tiver de lidar com as exigências da vida, de forma independente.
Rosenfeld (1988) disserta sobre o tratamento psicoterapêutico com pacientes psicóticos e borderlines, ocorrendo nessa relação terapêutica um acentuado mecanismo de identificação projetiva, com a projeção de sentimentos insuportáveis para o terapeuta, como uma forma de se livrar deles.
Nesse momento se faz essencial a função continente do terapeuta para que esses pensamentos e sentimentos intoleráveis expelidos pelo paciente possam ser contidos, e através da interpretação terapêutica, que os compreende e resignifica, possibilitando que sejam, agora, reintrojetados de uma maneira mais suportável, pois permitiu transformar essas experiências subjetivas dolorosas, cindidas e caóticas em palavras que passam a fazer sentido e também, adicionando a experiência de se sentir aceito por alguém a quem confia suas intimidades.
De acordo com Pinto (1992), o terapeuta deve oferecer sua mente como um espaço para que as experiências do paciente possam se desenrolar e serem resignificadas. Mais que interpretações elaboradas, ele precisa de algo que o acolha além da palavra e isso se faz através de um estado mental do terapeuta, capaz de tolerar a dor projetada por aquele e revivê-la de maneira empática com ele.
Quando o paciente vivencia o terapeuta como alguém que suporta e compreende seus sentimentos e  experiências intoleráveis, dolorosas; se torna capaz de introjetar, não apenas o que esse interpreta, mas suas próprias funções de terapeuta; de perceber, pensar, suportar e falar; tornando-as parte de seu ego,
desenvolvendo em si um espaço continente, tornando capaz de viver emocionalmente independente, suportando e sendo mais continente com as dificuldades e sofrimentos que sua vida apresentar.

Concluindo, o terapeuta na sua relação terapêutica deve atuar, tecnicamente, num satisfatório estado de “rêverie” e acolher o paciente num adequado estado de “holding”; sendo “continente” aos seus conteúdos incompreensíveis e angustiantes.
Assim, está proporcionando a ele as condições para entrar em contato com suas angústias de uma forma mais tranquila e menos temerosa, consequentemente, possibilitando desenvolver sua capacidade e a segurança para compreender e tratar com seus sofrimentos psíquicos de maneira mais madura e menos neurótica, ou seja, de
adquirir maturidade psicológica necessária para lidar, de maneira, independente e satisfatória, com as mazelas da vida.
“ ... acolher e prover o temeroso barco com o necessário para prosseguir a sua tribulada e árdua viagem ”

*(síntese do artigo da Revista Temas de Psicoterapia, nº 1 – UNIMEP, 1993)

Bibliografia:
Bion, W. (1961), “Uma teoria do pensar”, In: Melanie Klein Hoje: volume 1.
Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990.
Freud, S. (1937), “Análise terminável e interminável”. Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Vol.XXXIII, Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1974.
Klein, M. (1963), “Sobre o sentimento de solidão”. In: inveja e Gratidão. In
Obras Completas de Melanie Klein, Vol. 3. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1992.
Pinto, M.P. (1992), “Estados primitivos da mente e sua relação com a
continência analítica”. Revista Insight, São Paulo, Vol. 21:09-12, ago., 1992.
Rosenfeld, H.A. (1998), “ Impasse e Interpretação”. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1992.
Winnicot, D.W. (1960), “Teoria do relacionamento paterno infantil”. In: O
Ambiente e os Processos de Maturação, 2ª Edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

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